A coexistência entre a pesca artesanal e o crescente turismo náutico vem se tornando uma questão delicada nas praias da região. De um lado, pescadores tradicionais lutam para preservar seus modos de vida e garantir o acesso histórico ao mar. De outro, operadores de passeios de barco buscam expandir seus negócios para atender uma demanda turística cada vez maior, evidenciando um conflito pelo uso do espaço costeiro.

Com a alta temporada, praias normalmente tranquilas veem suas águas tomadas por embarcações turísticas de diversos portes. Barcos de passeio, lanchas e iates frequentemente compartilham a mesma faixa litorânea utilizada há décadas por pescadores. Segundo relatos de líderes comunitários, a presença intensa do turismo náutico acaba por restringir áreas tradicionalmente ocupadas pelos comerciantes da pesca artesanal.

O pescador José Andrade explica que “nem sempre conseguimos chegar às redes, pois há barcos de turistas ancorados próximos ao nosso material”. Ele afirma que as embarcações de passeio muitas vezes não respeitam as áreas delimitadas para a pesca, colocando em risco o sustento das famílias que dependem da atividade pesqueira local. O depoimento expõe a tensão latente entre as atividades econômicas.

Associações de pescadores têm buscado diálogo com órgãos municipais para estabelecer regulamentos que delimitem áreas específicas para cada atividade. A proposta, segundo a presidente da Colônia de Pescadores, Ana Cláudia Silva, é que haja uma sinalização clara tanto para operadores turísticos quanto para os pescadores, evitando conflitos no dia a dia e garantindo a segurança de todos.

Por outro lado, representantes do setor náutico defendem a importância econômica do turismo para o desenvolvimento regional. Segundo dados da Secretaria de Turismo, o setor náutico gerou mais de 500 empregos diretos na última temporada, movimentando milhares de turistas e aquecendo negócios na hospedagem, gastronomia e lazer. Eles argumentam que a coexistência pode ser possível com diálogo e coordenação.

Entretanto, ambientalistas alertam para os riscos do uso desenfreado da orla. O crescimento desordenado tanto da pesca quanto do turismo náutico pode comprometer a biodiversidade marinha, degradar habitats costeiros e criar desafios de poluição das águas. Eles defendem a criação de planos de manejo participativos, que considerem os limites de sustentabilidade definidos pela ciência.

Um estudo recente realizado por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense aponta que as áreas mais afetadas pelo conflito coincidem com zonas de maior biodiversidade. Segundo os autores, é fundamental que o ordenamento do espaço costeiro leve em conta critérios ambientais, culturais e econômicos, para evitar danos irreversíveis e valorizar os saberes tradicionais dos pescadores.

Moradores antigos relatam que a paisagem da região mudou significativamente nas últimas décadas. “Antes, era comum ver apenas pequenos barcos de pesca. Hoje, ao abrir a janela, vejo dezenas de embarcações turísticas todos os dias”, conta Dona Marlene, moradora da orla há mais de 40 anos. Para ela, o sossego foi substituído pelo burburinho constante de turistas e motores.

O setor público se vê no desafio de equilibrar interesses diversos. Secretários municipais prometeram intensificar a fiscalização, coibir o ancoramento irregular e promover campanhas de conscientização sobre o uso compartilhado do mar. Apesar das boas intenções, muitos pescadores ainda apontam lentidão nas respostas e cobram definições mais efetivas.

A pauta também chegou ao Legislativo local, onde vereadores debatem projetos de lei voltados à regulação do espaço costeiro. Entre as propostas está a criação de zonas exclusivas para pequenas embarcações de pesca e passeios turísticos, além de punições para quem desrespeitar as demarcações. O objetivo é garantir condições equitativas para todos os segmentos econômicos.

Especialistas em políticas públicas apontam que experiências bem-sucedidas em outras regiões demonstram a viabilidade de acordos colaborativos entre setores. A chave para o sucesso, afirmam, é a escuta ativa dos diferentes atores sociais e a disposição de construir soluções consensuais, respeitando os direitos históricos dos pescadores e o dinamismo do turismo.

Enquanto isso, iniciativas comunitárias auferem bons resultados ao promoverem o diálogo direto entre pescadores e operadores de turismo. Em algumas praias, programas de turismo de base comunitária possibilitam que os visitantes conheçam o cotidiano da pesca artesanal e consumam produtos locais, inserindo os pescadores na cadeia econômica do turismo, ao invés de isolá-los.

O debate sobre o uso sustentável da orla segue mobilizando autoridades, moradores, comerciantes e cientistas. Enquanto o embate persiste, a região buscá equilibrar tradição e modernidade, natureza e desenvolvimento. O futuro da orla dependerá do engajamento coletivo, da transparência no processo decisório e do compromisso com a preservação dos modos de vida e do patrimônio ambiental para as próximas gerações.